segunda-feira, junho 23, 2008

Umas Reflexões

Bom pessoal, hoje é véspera de São João, uma das festas mais populares do nordeste brasileiro e eu resolvi colocar três textos do critico musical do Jornal do Commercio de Pernambuco, onde ele fala sobre esse "Forró Eletrônico", que ele chama aqui de "Fulerage Music"...
Eu como defensor da cultura nordestina, concordo em partes com o que ele fala, mas fica meu desabafo, pois os maiores pólos de animação dos festejos juninos, se rendeu a esse tipo de música, ao contrário de Olinda que até hoje resiste com sua cultura e nem por isso o povo deixa de ir...
Abaixo seguem os textos, o post vai ficar um pouco longo, mais vale a pena lerem até o final e depois deixem seus comentários...
A Música dos Valores Perdidos
Publicado em 06.05.2008
JOSÉ TELES é crítico musical do Jornal do Commercio
Tem rapariga aí? Se tem levante a mão!". A maioria, as moças, levanta a mão.
Diante de uma platéia de milhares de pessoas, quase todas muito jovens, pelo menos um terço de adolescentes, o vocalista da banda que se diz de forró utiliza uma de suas palavras prediletas (dele só não, de todas bandas do gênero). As outras são "gaia", "cabaré", e bebida em geral, com ênfase na cachaça. Esta cena aconteceu no ano passado, numa das cidades de destaque do agreste (mas se repete em qualquer uma onde estas bandas se apresentam). Nos anos 70, e provavelmente ainda nos anos 80, o vocalista teria dificuldades em deixar a cidade.
O secretário de cultura Ariano Suassuna foi bastante criticado, numa aula-espetáculo, no ano passado, por ter malhando uma música da banda Calipso, que ele achava (deve continuar achando, claro) de mau gosto. Vai daí que mostraram a ele algumas letras das bandas de "forró", e Ariano exclamou: "Eita que é pior do que eu pensava". Do que ele, e muito mais gente jamais imaginou.
Pruma matéria que escrevi no São João passado baixei algumas músicas bem representativas destas bandas. Não vou nem citar letras, porque este jornal é visto por leitores virtuais de família. Mas me arrisco a dizer alguns títulos, vamos lá: Calcinha no chão (Caviar com Rapadura), Zé Priquito (Duquinha), Fiel à putaria (Felipão Forró Moral), Chefe do puteiro (Aviões do forró), Mulher roleira (Saia Rodada), Mulher roleira a resposta (Forró Real), Chico Rola (Bonde do Forró), Banho de língua (Solteirões do Forró), Vou dá-lhe de cano de ferro (Forró Chacal), Dinheiro na mão, calcinha no chão (Saia Rodada), Sou viciado em putaria (Ferro na Boneca), Abre as pernas e dê uma sentadinha (Gaviões do forró), Tapa na cara, puxão no cabelo (Swing do forró). Esta é uma pequeníssima lista do repertório das bandas.
Porém o culpado desta "desculhambação" não é culpa exatamente das bandas, ou dos empresários que as financiam, já que na grande parte delas, cantores, músicos e bailarinos são meros empregados do cara que investe no grupo. O buraco é mais embaixo. E aí faço um paralelo com o turbo folk, um subgênero musical que surgiu na antiga Iugoslávia, quando o país estava esfacelando-se. Dilacerado por guerras étnicas, em pleno governo do tresloucado Slobodan Milosevic surgiu o turbo folk, mistura de pop, com música regional sérvia e oriental. As estrelas da turbo folk vestiam-se como se vestem as vocalistas das bandas de "forró", parafraseando Luiz Gonzaga, as blusas terminavam muito cedo, as saias e shortes começavam muito tarde. Numa entrevista ao jornal inglês The Guardian, o diretor do Centro de Estudos alternativos de Belgrado. Milan Nikolic, afirmou, em 2003, que o regime Milosevic incentivou uma música que destruiu o bom-gosto e relevou o primitivismo estético,. Pior, o glamur, a facilidade estética, pegou em cheio uma juventude que perdeu a crença nos políticos, nos valores morais de uma sociedade dominada pela máfia, que, por sua vez, dominava o governo.
A cantora Ceca foi uma espécie de Ivete Sangalo do turbo folk (ainda está na estada, porém com menor sucesso). Foram comprados 100 mil vídeos do seu casamento com Arkan, mafioso e líder de grupo para-militares na Croácia e Bósnia. Arkan foi assassinado em 2000. Ceca presa em 2003. Ela não foi a única envolvida com a polícia, depois da queda de Milosevic, muitos dos ídolos do turbo folk envolveram-se com a justa pelo envolvimento com a poderosa máfia de Belgrado.
A temática da turbo folk era sexo, nacionalismo e drogas. Lukas, o maior ídolo masculino do turbo folk pregava em sua música o uso da cocaína. Um dos seus maiores hits chama-se White (a cor do pó, se é que alguém ignora), e ele, segundo o Guardian, costumava afirmar: "Se cocaína é uma droga, pode me chamar de viciado". Esteticamente, além da pouca roupa, a sanfona é o instrumento que se destaca tanto no turbo folk quanto no chamado forró eletrônico, instrumento decorativo, ali muito mais para lembrar das raízes da música tradicional. Ressaltando-se que não se tem notícia de ligação entre bandas de "forró" e crime organizado. No que elas são iguaizinhas é que proliferaram em meio a débâcle de valores estéticos, morais, e éticos, e despolitização da juventude. Com a volta da governabilidade nas repúblicas da antiga Iugoslávia, o turbo folk perdeu a força, vende ainda porém muito menos do que no passado, hoje é apenas uma música popular para se dançar, e não a trilha sonora de um regime condenado por, entre outras lástimas, genocídio.
Aqui o que se autodenomina "forró estilizado" continua de vento em popa. Tomou o lugar do forró autêntico nos principais arraiais juninos do Nordeste. Sem falso moralismo, nem elitismo, um fenômeno lamentável, e merecedor de maior atenção. Quando um vocalista de uma banda de música popular, em plena praça pública, de uma grande cidade, com presença de autoridades competentes (e suas respectivas patroas) pergunta se tem "rapariga na platéia", alguma coisa está fora de ordem. Quando canta uma canção (canção ?!!!) que tem como tema uma transa de uma moça com dois rapazes (ao mesmo tempo), e o refrão é "É vou dá-lhe de cano de ferro/e toma cano de ferro!", alguma coisa está muito doente. Sem esquecer que uma juventude cuja cabeça é feita por tal tipo de música é a que vai tomar as rédeas do poder daqui a alguns poucos anos.
Para Encerrar o Papo Sobre a Fuleiragem Music
Publicado em 20.05.2008
JOSÉ TELES é crítico musical do Jornal do Commercio
Algumas considerações sobre o artigo A música dos valores perdidos, publicado semana passada nestes Toques digitais, e que rendeu uma porção de comentários aqui no JC online, e um bocado de correio eletrônico pro que vos tecla. Antes de mais nada, não estou fazendo campanha contra o chamado forró eletrônico, ou estilizado. Uso a tribuna virtual para expressar minha incredulidade de cidadão com o nível das apresentações da maioria destes grupos. Alguns deles exibem hoje, abertamente, para todo tipo de faixa etária, espetáculos que até outro dia se viam em locais fechados, que não permitiam a presença de menor de idade.
Ao contrário do que me escreveu um leitor, não considero que esta música exista porque o povo gosta. O povo foi ensinado a gostar desta música. Como gostava nos anos 60 e 70 de Chico Buarque (que vendeu 600 mil cópias do seu LP de 1978), ou dos Beatles. O popularesco entrou em moda na era Collor, que, bem-nascido, não gostava obviamente de Leandro & Leonardo, mas dava a entender que sim, pra agradar ao eleitorado, puro populismo. Com a massificação da monocultura sonora no rádio brasileiro, a população, mal informada, passou a gostar de qualquer gênero que entrasse na moda. Foi assim com os sertanejos, depois com a axé music, depois com o pagode, e agora com as bandas.
Quando atribui à axé music a existência da fuleiragem music, não quis dizer que a axé era ruim ou boa. Aliás, no início até que havia originalidade no axé, de onde saiu uma das mais interessantes ritmos híbridos da MPB, o samba-reggae, ou o batuque afro do Olodum. Aquele disco O canto da cidade, de Daniela Mercury é muito bom. O que a axé inspirou em todos os subgêneros popularescos (o brega, o pagode, e até o sertanejo) foi a estética de palco, o gestual do bate palminha, tira o pezinho do chão, mexe a bundinha etc etc. No entanto, por mais que forçasse a barra e continuar criando bobagens pra animar o rebanho do abadá, a axé music manteve-se dentro de certos limites. Já a grosseria nestes chamados forrós é própria deles. Começou como uma brincadeira, uma brincadeira que acabou sendo o padrão em todas as bandas. Foi mais ou menos isto que aconteceu nos anos 70, com o forró (o de verdade), e o duplo sentido. No começou era "Passei a noite procurando tu", "Ele tá de olho na butique dela", "Que diabo você tinha?", aí entrou Zenilton de sola com Tabaco, o gostoso da novela, Quiabo cru, Lasca de minhoca, e por aí vai. Porém os forrozeiros conheciam limites, e a piada foi perdendo a graça. E os mais apelativos feito Sandro Becker saíram de linha. Com as bandas não. O tripé rapariga, cachaça, e gaia vem sendo repetido de tal forma, e há tanto tempo, que acabou entrando na linguagem do pessoal que curte tal tipo de música, na qual mulher sempre é gaieira ou pra ser consumida e cuspida em seguida. Cachaça é pra beber até cair, e carro não é apenas meio de transporte, mas lotação pra encher de rapariga. Moderação somente no bom-gosto.
A música? Sob qualquer critério, é muito ruim. Repete-se uma fórmula, com naipe de metais sem a menor criatividade. Os vocais são sempre muito monótonos. Os cantores formularam um tipo de interpretação apropriada para a grosseria do que cantam. As cantoras tentam emular Ivete Sangalo, cuja música também não é lá uma brastemp, mas pelo menos a baiana tem classe, ou pelo menos estilo.
A fuleiragem é música comercial no pior sentido do termo. Tudo bem que seja. Afinal, talento é pra quem tem, não pra quem quer ter. Agora, chamar aquilo de forró é um desrespeito à memória de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Abdias, Marinês, Jacinto Silva, Marinalva, Zito Borborema, Cobrinha, Lindú e Coroné (do Trio Nordestino), e tantos outros. E uma prova de que estas bandas só trazem forró no nome tá na revista Sucesso, de janeiro do ano passado. Nela se anunciava o surgimento de mais uma banda a Dinamite do Forró, cujo estilo assim foi definido por Marquinhos Maraial, produtor do grupo: "A Dinamite do Forró traz uma mistura de forró, vanerão, axé, calipso e arrocha". E aí onde se lê "forró" leia-se "lambada estilizada". Nada contra a mistura de ritmos, ou a lambada, até porque, teve uma época em que Marinês, ou Abdias gravaram discos inteiros de carimbó. Mas não disfarçavam chamando aquilo de forró. Era carimbo mesmo, e do bom.
Ruim, ser ou não ser?
Publicado em 13.06.2008
JOSÉ TELES é crítico musical do Jornal do Commercio

Recebi vários e-mails a respeito dos artigos que assinei aqui nestes Toques Digitais sobre a fuleiragem music. A maioria contra este subgênero musical, derivado da lambada, mas que inexplicavelmente acabou sendo chamado de forró eletrônico. Alguns leitores me consideraram elitista, que quem tem o direito de gostar ou não de determinado tipo de diversão é o povo. Teoricamente é. Mas quando massificam um estilo musical a ponto de grande parte do povo não conseguir mais discernir o que é bom ou ruim, aí a coisa passa a ser discutível. Foi o que acontece, por exemplo, com a axé music. Antes dela o carnaval de Salvador era animado pelos trios elétricos. E aí, aquela pausa que refresca para lembrar que trio elétrico, o de Dodô & Osmar, ou Tapajós, não tinha nada a ver com o que se convencionou denominar trio elétrico de uns 15 anos pra cá. De trio, as bandas de axé têm como semelhança apenas o caminhão turbinado sobre o qual desfila.
Mas como dizia, antes de ser tão rudemente interrompido por mim mesmo, os foliões soteropolitanos corriam atrás do trio elétrico, que tocava frevos, marchinhas, tudo coisa fina. Alguns trios até fizeram sucesso nacional, tocavam no rádio e tal. Aí surgiu a axé music, e exatamente quando a indústria fonográfica nacional alcançava a maioridade. Com as multinacionais instaladas no país, montando estúdios dotados de alta tecnologia, com poder de fogo para disseminar país afora a música que quisessem. Esta maioridade, graças as recordistas vendas de discos no final dos anos 70. Ao contrário do que se costuma propagar em livros, ensaios e em entrevistas, não foram os popularescos Agnaldo Timotéo, Odair José e quejandos que seguraram a onda das gravadoras, permitindo que estas mantivessem em seu cast artistas classe A, que vendiam pouco. Chico Buarque vendeu quase um milhão de cópias de seu LP de 1978 (aquele que tem Cálice). Maria Bethânia emplacou 1 milhão de Álibi. Isto levou as multinacionais e olharem com olhos grandes para o Brasil, eu se tornou o quinto mercado mundial do disco.
Mas tergiversações à parte, quando a axé surgiu, as gravadoras foram nela "di cum força". Os produtores baianos também se profissionalizaram. E não mais que de repente, Daniela Mercury, Netinho, Banda Beijo, Ásia de Águia, Chiclete com Banana tornaram-se ídolos nacionais. Mas não eram artistas de shows. O negócio deles era carnaval. Sabiamente, os empresários passaram a exportar a micareta, que existia em Feira de Santana, há anos O povo que anos antes comprava Chico, Bethânia, Milton Nascimento foi sendo acostumado a gostar de axé que nem era tão ruim assim. Apenas, mais uma música carnavalesca. Quando a axé deu sinais de exaustão, vieram outros gêneros, só que cada vez mais nivelado ao rés do chão.
Aliás, esta história de música ruim é complexa. Para mim tem dois tipos de ruim. Um é o ruim por inépcia, como é o caso de Babau do Pandeiro, ou Ademir, um sujeito que não sei de onde saiu, mas gravou uma das piores músicas que já escutei na vida, um forrozinho de lascar (arrisquem e ouçam no áudio deste artigo. A culpa foi do produtor Geraldinho Magalhães, que me mandou este incrível, extraordinário Ademir). Tem o outro ruim, que é o premeditado. Por exemplo, Paulo Sérgio Valle escreveu letras fantásticas para canções do irmão dele, Marcos Valle. Anos depois passou a escrever letras para sertanejos, ruins naturalmente, porque sertanejo não é muito exigente neste item, e seu público aprendeu a gostar de obviedades poéticas.
Aí chegamos na fuleiragem music. Estas bandas lembram certas crianças mimadas, que dizem um palavrão diante das visitas e aí todo mundo ri. Então o pirralho capricha no palavrão, e diz os mais cabeludos que conhece, porque considera que irá divertir ainda mais os pais e as visitas. Elas começaram com trocadilhos primários, feito aquela "O vizinho quer comer meu cu...elhinho", depois é o que se vê e ouve atualmente. A música das bandas são ruins, por qualquer ângulo que se analise. Ms música ruim sempre houve, sempre haverá. Nunca houve foi música ruim com tal ideologia. É estranho, ver garotas numa platéia de uma banda assumir que é "gaieira", "rapariga", nem que se incentive tanto a beber sem a menor moderação.
A mesma banda que está por aí num comercial de bebida, que termina com o indefectível: "Beba com moderação", em seus shows e DVDs sugere que se beba até cair, que se pare num cabaré, cheio de mé, e se encha um caminhão de rapariga. Aí é, como diz o personagem de No coração das trevas, de Joseph Conrad: "O horror, o horror
!

Um abraço para todos:

Beto L. Carvalho

Carpe Diem