terça-feira, outubro 12, 2004

A Literatura Está Triste

Vale a pena visitar esses blogs:

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Infelizmente hoje eu vou ter que homenagear um grande escritor que nos deixou ontem:

Fernando Sabino

Esse mineiro que estaria completando 81 anos hoje, faleceu depois de luta inglória contra um câncer...
Eu lembro que li, há muito tempo atrás o mais famoso livro dele:

Encontro Marcado

Confesso que não lembro do livro, mas eu recordo que foi importante para mim na vontade de querer ser escritor...
Eu não vou me alongar muito e quem tiver interesse em conhecer a carreira deste representante da maravilhosa literatura brasileira é só clicar no titulo...
Hoje eu vou colocar duas crônicas dele:

O Homem Nu
Fernando Sabino

Ao acordar, disse para a mulher:
-- Escuta, minha filha: hoje é dia de pagar a prestação da televisão, vem aí o sujeito com a conta, na certa. Mas acontece que ontem eu não trouxe dinheiro da cidade, estou a nenhum.
-- Explique isso ao homem -- ponderou a mulher.
-- Não gosto dessas coisas. Dá um ar de vigarice, gosto de cumprir rigorosamente as minhas obrigações. Escuta: quando ele vier a gente fica quieto aqui dentro, não faz barulho, para ele pensar que não tem ninguém. Deixa ele bater até cansar -- amanhã eu pago.
Pouco depois, tendo despido o pijama, dirigiu-se ao banheiro para tomar um banho, mas a mulher já se trancara lá dentro. Enquanto esperava, resolveu fazer um café. Pôs a água a ferver e abriu a porta de serviço para apanhar o pão. Como estivesse completamente nu, olhou com cautela para um lado e para outro antes de arriscar-se a dar dois passos até o embrulhinho deixado pelo padeiro sobre o mármore do parapeito. Ainda era muito cedo, não poderia aparecer ninguém. Mal seus dedos, porém, tocavam o pão, a porta atrás de si fechou-se com estrondo, impulsionada pelo vento.
Aterrorizado, precipitou-se até a campainha e, depois de tocá-la, ficou à espera, olhando ansiosamente ao redor. Ouviu lá dentro o ruído da água do chuveiro interromper-se de súbito, mas ninguém veio abrir. Na certa a mulher pensava que já era o sujeito da televisão. Bateu com o nó dos dedos:
-- Maria! Abre aí, Maria. Sou eu -- chamou, em voz baixa.
Quanto mais batia, mais silêncio fazia lá dentro.
Enquanto isso, ouvia lá embaixo a porta do elevador fechar-se, viu o ponteiro subir lentamente os andares... Desta vez, era o homem da televisão!
Não era. Refugiado no lanço da escada entre os andares, esperou que o elevador passasse, e voltou para a porta de seu apartamento, sempre a segurar nas mãos nervosas o embrulho de pão:
-- Maria, por favor! Sou eu!
Desta vez não teve tempo de insistir: ouviu passos na escada, lentos, regulares, vindos lá de baixo... Tomado de pânico, olhou ao redor, fazendo uma pirueta, e assim despido, embrulho na mão, parecia executar um ballet grotesco e mal ensaiado. Os passos na escada se aproximavam, e ele sem onde se esconder. Correu para o elevador, apertou o botão. Foi o tempo de abrir a porta e entrar, e a empregada passava, vagarosa, encetando a subida de mais um lanço de escada. Ele respirou aliviado, enxugando o suor da testa com o embrulho do pão.
Mas eis que a porta interna do elevador se fecha e ele começa a descer.
-- Ah, isso é que não! -- fez o homem nu, sobressaltado.
E agora? Alguém lá embaixo abriria a porta do elevador e daria com ele ali, em pêlo, podia mesmo ser algum vizinho conhecido... Percebeu, desorientado, que estava sendo levado cada vez para mais longe de seu apartamento, começava a viver um verdadeiro pesadelo de Kafka, instaurava-se naquele momento o mais autêntico e desvairado Regime do Terror!
-- Isso é que não -- repetiu, furioso.
Agarrou-se à porta do elevador e abriu-a com força entre os andares, obrigando-o a parar. Respirou fundo, fechando os olhos, para ter a momentânea ilusão de que sonhava. Depois experimentou apertar o botão do seu andar. Lá embaixo continuavam a chamar o elevador. Antes de mais nada: "Emergência: parar". Muito bem. E agora? Iria subir ou descer? Com cautela desligou a parada de emergência, largou a porta, enquanto insistia em fazer o elevador subir. O elevador subiu.
-- Maria! Abre esta porta! -- gritava, desta vez esmurrando a porta, já sem nenhuma cautela. Ouviu que outra porta se abria atrás de si.
Voltou-se, acuado, apoiando o traseiro no batente e tentando inutilmente cobrir-se com o embrulho de pão. Era a velha do apartamento vizinho:
-- Bom dia, minha senhora -- disse ele, confuso. -- Imagine que eu...
A velha, estarrecida, atirou os braços para cima, soltou um grito:
-- Valha-me Deus! O padeiro está nu!
E correu ao telefone para chamar a radiopatrulha:
-- Tem um homem pelado aqui na porta!
Outros vizinhos, ouvindo a gritaria, vieram ver o que se passava:
-- É um tarado!
-- Olha, que horror!
-- Não olha não! Já pra dentro, minha filha!
Maria, a esposa do infeliz, abriu finalmente a porta para ver o que era. Ele entrou como um foguete e vestiu-se precipitadamente, sem nem se lembrar do banho. Poucos minutos depois, restabelecida a calma lá fora, bateram na porta.
-- Deve ser a polícia -- disse ele, ainda ofegante, indo abrir.
Não era: era o cobrador da televisão.


Mulher de Matar
Fernando Sabino

Olhou distraidamente para o relógio e deu um pulo na cadeira: Ih, cacilda, quatro e meia da manhã! Mais um pouco e encontraria a mulher acordada.
Enquanto a noite durasse, nada a temer. Mas não podia se deixar se apanhar na rua quando a claridade do céu começava a anunciar o novo dia. A partir de então a mulher acordava a qualquer barulhinho. Houve um dia, por exemplo, em que mal havia tirado a roupa, ouviu a voz dela lá na cama, você vai sair a esta hora? Não teve remédio senão dizer que sim, tinha de estar bem cedo no escritório. E tornou a sair, foi mesmo para o escritório, dormir no sofá da sala de espera o restinho da manhã.
-- Gente, eu tenho de me mandar.
Chamou o garçom, pagou sua conta, despediu-se dos amigos que, já bêbados, nem deram por sua partida. Meio bebido, ele próprio, na rua firmou-se sobre as pernas e fez sinal para um táxi que passava.
Alguém mais se adiantou e acenou para o mesmo táxi. Era uma mulher que também acabava de sair da boate.
Pronto, pensou rápido: se perco este táxi, lá vai minha última chance de chegar ainda de noite.
Quando o táxi parou, fingiu que não via a mulher e avançou para abrir a porta. Ela também avançou, tocou-lhe o braço:
-- Por favor, estou com pressa!
A voz, aflita, era educada e insinuante. Então ele reparou que era uma mulher bonita. Ainda assim resistiu: pediu-lhe também de maneira educada que o desculpasse, mas sua pressa era maior. A menos que seguissem juntos no táxi, e ele a deixaria no caminho, se é que iam para o mesmo lado. Vacilaram ambos:
-- Se não se incomoda...
-- Incômodo nenhum.
-- Bem, nesse caso...
Estavam nisso quando surgiu um grandalhão, de terno xadrez e segurou a mulher pelo braço. Ignorou a presença dele e falou com a voz carregada:
-- Eu agorra te matarr.
Notou que o homem tinha à ilharga algo avolumado sob o paletó, só podia ser revolver. E a manopla já avançando para sacá-lo.
-- Não faça isso! -- gritou, com a mão espalmada no ar, como um guarda de trânsito: -- O senhor não pode fazer uma coisa dessas!
-- O homem se voltou, como se o visse só então:
-- Não poderr porr quê? Quem é senhorr?
Agora era distrair o gringo e tomar o táxi:
-- Tenho mulher e filhos em casa me esperando, e o senhor quer me envolver num crime?
-- Sernhor não saberr que esta mulherr fazerr comigo.
-- Seja o que for, não vá matá-la, pelo menos na minha vista.
Mesmo que fosse embora, estaria envolvido: o chofer do táxi seria testemunha. E a mulher não tinha a menor reação, ia morrer sem um pio. O jeito era ficar:
-- Do you speak English?
-- Eu serr alemon.
-- Neste caso vai em português mesmo. Vamos tomar um drinque.
Dispensou o táxi e conduziu ambos pelo braço de volta à boate.
Era dia claro quando se viu noutro táxi, em companhia da mulher e do alemão, reconciliados graças à sua intervenção. A idéia era deixá-la primeiro, para evitar que o homem, sozinho com ela, tivesse novo ímpeto homicida.
Quando ela saltou, o alemão quis descer também, foi um custo contê-lo:
-- Você prometeu, Fritz.
Ela se foi, sã e salva, e os dois seguiram viagem. Ele convidou o alemão para tomar o café da manhã em sua casa -- única maneira de sua mulher acreditar naquela história:
-- Quero que você conheça minha mulher. Esta sim, é de matar.


Para não fugir ao espirito do blog, eita que ele vai ficar grande hoje, vou colocar duas músicas que fizeram sucesso com a filha dele, Verônica Sabino, a segunda teve a participação de Emilio Santiago e por coincidência são duas versões:

Demais (Yes, it is)
(Paul McCartney /John Lennon/ Miguel Paiva )

Foi um vento que passou
Que te trouxe e te levou
Deixando no corpo a marca do amor
Que ficou no ar ilusão luar
A chuva que esse vento trás
Faz com que eu me lembre mais
De todos os sonhos que a gente sonhou
Planejou demais demais
Bem que eu podia tentar te encontrar
Mas um vento forte que me afastou,

Te levou te escondeu longe demais
A chuva que esse vento trás
Faz com que eu me lembre mais
De todos os sonhos que a gente sonhou
Planejou demais demais
E cada vento que soprar
Pode te fazer voltar
Encher o vazio que ficou no ar
Me marcou demais
Me marcou demais
Me marcou demais


Tudo o Que Se Quer ( All I Ask of You)
(Andrew Lloyd Webber/Hart/Stilgoe/Nelson Motta)
Olha nos meus olhos
Esquece o que passou
Aqui neste momento

Silêncio e sentimento
Sou o teu poeta

Eu sou o teu cantor
Teu rei e teu escravo

Teu rio e tua estrada
Vem comigo meu amado amigo

Nessa noite clara de verão
Seja sempre o meu melhor presente
Seja tudo sempre como ‚
É tudo que se querLeve como o vento
Quente como o solEm paz na claridade
Sem medo e sem saudade
Livre como um sonho
Alegre coma a luz
Desejo e fantasia
Em plena harmonia
Eu sou o teu homem
Sou teu pai, teu filho
Sou aquele que te tem amor
Sou teu par, o teu melhor amigo
Vou contigo seja onde for
E onde estiver, estou
Vem comigo meu amado,
meu amigo
Sou teu barco, neste mar de amor
Sou a vela que te leva longe
Da tristeza
Eu sei, eu vou
E onde estiver estou
E onde estiver estou.


Um abraço:

Beto L. Carvalho
Carpe Diem

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