quinta-feira, maio 19, 2005

Artigos de um Recente Grande Amigo 5


Um Documentário de Kátia Lund

O quinto artigo de Pedro Procópio é sobre um documentário sobre violência feito pela Kátia Lund co-diretora do grande sucesso Cidade de Deus...
No titulo te, o primeiro artigo dele publicado no blog no inicio do mês...
Estamos recebendo colaborações, artigos sobre cultura brasileira, quem se interessar pode deixar o contato nos comentários...


Guerra Particular – Pessimismo Coletivo.
Pedro Paulo Procópio


Com direção de Kátia Lund, a mesma diretora de Cidade de Deus e depoimento do autor do livro que deu origem ao filme, Paulo Lins, o curta metragem Cenas de uma Guerra Particular é antes de mais nada um documento.
Documento? Sim, porque nele está contido o que há de mais importante para qualquer ser humano: a vida – ou melhor – o quanto ela é banal. Contraditório? Talvez. Chocante? Deprimente? Não resta dúvida.
Sem um narrador fixo, a história vai se desenrolado e surpreendendo àqueles que a assistem. A desesperança é relatada por cada ator, ou melhor, personagem.
Pessoas comuns relatam toda a sua dor. A dor, aliás, é uma espécie de componente impregnado na vida de crianças, adolescentes, civis, traficantes, policias, enfim dos que têm a oportunidade de falar.
Apesar do próprio morador da favela expor suas dificuldades diante do tráfico, da violência, do caos no Rio de Janeiro; o vídeo não é feito só de emoção.
Em sua abertura , quando ainda há uma narração específica, o filme aponta indicadores – como o número de envolvidos com o narcotráfico, por exemplo, e é extremamente informativo. Para que você tenha uma idéia, o número pode chegar a cem mil “narcofuncionários”.
Cenas de uma Guerra Particular é bem articulado, por isso impressiona, revolta. Todos têm chance de dizer o que sentem: descrença. Isso fica evidente em vários momentos, se não em todos.
O capitão Pimentel, do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), fala da existência de uma guerra quase que particular entre bandidos e policias, além disso, afirma: “não vejo luz , não há esperança.”
O próprio chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro na época (final da década de 90), Hélio Luz, concorda com Pimentel e vai mais adiante. Hélio luz, confirma o envolvimento de policiais com o crime organizado. “A polícia rouba!” – diz friamente. Meses depois dessa afirmação foi afastado do cargo. Hoje é deputado estadual pelo estado do Rio.
Certamente, o título do documentário nasceu da afirmação de Pimentel. Mas, é o cotidiano, como nos mostra o trabalho de Kátia Lund, o responsável pelo profundo pessimismo. Confira as palavras do capitão: “O familiar nem pergunta mais como foi o teu dia. Estou cansado.”
Se o discurso de Pimentel não for capaz de tocar os mais frívolos, tudo bem, porque sem dúvida, Cenas de Uma Guerra Particular – em algum momento chamará a atenção mesmo dos céticos. Alcançará assim, o objetivo da denúncia, do despertar para problemáticas bem mais complexas que a simples insegurança.
Para você se sentir envolvido pela história - que tal ouvir de um menino de uns quinze anos, que matou um homem queimado aos onze, sente-se normal por isso e lamenta não ter assassinado um PM ainda? Tal cena deixa claro o propósito do enredo.
O povo tem liberdade para falar e a riqueza da trama está aí. Os moradores falam da íntima relação com os fora da lei, elevando-os à uma categoria heróica. Para uma moradora de meia idade do morro, apresentada como Janete, o bandido protege a comunidade, paga os remédios... faz o papel do Estado, afinal.
Justo. Eis aí uma característica marcante, porque se um dos envolvidos na história reporta algo, o seu oponente tem a mesma chance. Seja um PM ou um bandido. Há, portanto uma coerência de fatos – informações – sofrimento... um morre, o outro também, um chora, o outro soluça. Talvez fosse interessante o depoimento de um mero consumidor – mas isso não interfere na qualidade do produto final.
Mesmo trazendo fatos altamente negativos o vídeo é um convite a reflexão. E só através dessa reflexão podemos despertar para soluções, por isso apesar de tanto ódio e incredulidade – a esperança não fica enterrada ao assistirmos a Cenas de Uma Guerra Particular. O barulho da AR-15 parece que nos faz acordar e refletir acerca de uma luta menos injusta pela sobrevivência.
Um abraço para todos:
Beto L. Carvalho
Carpe Diem

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